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O incidente de desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho à luz do cpc de 2015, da lei nº 13.467/2017 e da lei nº 13.874/2019.
1. Desconsideração da personalidade jurídica
O ordenamento reconhece a existência autônoma da pessoa jurídica, atribuindo-lhe personalidade para atuar em nome próprio. Até mesmo algumas entidades juridicamente despersonalizadas, a exemplo dos condomínios residenciais e comerciais, recebem tratamento diferenciado das pessoas que o integram.
A existência autônoma da pessoa jurídica tem por fim dar-lhes autonomia, em relação aos seus integrantes, para a prática e efeitos de seus atos. Pelo que os direitos e deveres deles decorrentes não se confundem com aqueles titularizados pelas pessoas naturais que a formam. Significa isto dizer que, em regra, quem responde pelos atos praticados pela pessoa jurídica é ela própria, inclusive no campo patrimonial.
Ocorre que a atuação da pessoa jurídica e o uso do seu patrimônio estão comprometidos com o objeto que retrata a sua razão de existir, retratada nos seus atos constitutivos. Ela não pode ser utilizada para a realização de interesses estranhos ao seu objeto social; para atender interesses puramente particulares dos sócios; ou ainda, para mascarar o uso da personalidade autônoma como fachada para obstaculizar a responsabilidade pessoal por atos simulados ou fraudulentos dos sócios, destinados a livrar o alcance dos seus patrimônios pessoais.
Como meio de reação ao desvio de função do instituto da pessoa jurídica, o Direito desenvolveu, em vários países, teorias destinadas a, pontualmente, diante de atos abusivos ou exorbitantes, simulados ou fraudulentos praticados pelos sócios por meio da pessoa jurídica, penetrar em sua composição societária e, descartando a personalidade autônoma da entidade, responsabilizar diretamente os sócios: a Disregard of Legal Entity Theory (teoria inglesa do descarte ou desconsideração da personalidade legal), a Abus de la Noction de Personnalité Sociale ou Disregard Doctrine (teoria jurisprudencial francesa do abuso da noção de personalidade da sociedade ou do descarte ou desconsideração), La Teoria de la Penetración (teria espanhola da penetração nos sócios da pessoa jurídica), Desestimación de la Personalidad Societaria (teoria argentina da rejeição da personalidade societária), Superamento della personalità giuridica (teoria italiana da superação da personalidade da pessoa jurídica), Durchgriff der Juristichen Person (teoria alemã da penetração na pessoa jurídica) e a Lifting the Corporate Veil Theory ou Disregard doctrine (teoria americana do levantamento do véu corporativo ou da desconsideração).
Embora o art. 20 do Código Civil de 1916 atribuísse personalidade autônoma à pessoa jurídica, o art. 21, III, previa apenas a sua dissolução motivada pela prática de atos opostos aos seus fins ou nocivos ao bem público e não, de forma mais singela, a simples desconsideração da personalidade, quando o intuito fosse o de alcançar os bens particulares dos sócios.
Nos anos 1970 RUBENS REQUIÃO e FÁBIO KONDER COMPARATO disseminaram no Brasil a doutrina do Disregard of Legal Entity.
No entanto, as situações jurídicas envolvendo o abuso de personalidade da pessoa jurídica levaram à absorção, pela jurisprudência brasileira, das teorias estrangeiras acima destacadas, pelo que o alcance legislativo do citado art. 21, III, do diploma Bevilaqua, foi por ela elastecido para, pontualmente, permitir a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica em variadas hipóteses, como má utilização por fraude ou desvio de finalidade, confusão de patrimônios, irregularidade de funcionamento, encerramento das atividades sem baixa, insuficiência patrimonial com sócios solventes e transferência de participação societária para testas de ferro.
Diante da indefinição legislativa e dos casos pontuais decididos pela jurísprudência nas mais variadas direções, resolveu então o legislador intervir, procurando dar diretrizes únicas às possibilidades de desconsideração, conforme a matéria tutelada, restringindo ou ampliando as hipóteses de desconsideração. Assim o fez por meio do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor para as relações consumiristas (1990); Lei nº 8.884/1994 (Lei Antitruste); Art. 4º da Lei nº 9.605/1998 (Lei Ambiental). Finalmente, o atual Código Civil, de 2002, com vigência a partir de 11 de janeiro de 2003, veio a regular as hipóteses de desconsideração como regra geral (art. 50), excetuadas as relações especiais, entre elas, as acima mencionadas.
Ocorre que, em reação à Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, sócios passaram a esconder os seus patrimônios pessoais nas pessoas jurídicas, buscando evitar que fossem alcançados. Para esses casos, a doutrina elaborou a Teoria da Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica, que agora tem previsão expressa no Código de Processo Civil de 2015, e que busca permitir a responsabilização direta da pessoas jurídicas pelos atos fraudulentos ou simulatórios de blindagem patrimonial praticados pelos sócios, e assim estranhos aos atos e objetivos societários.
Enfim, as teorias tradicional ou inversa da Desconsideração da Personalidade Jurídica não têm por objetivo anular a personalidade autônoma da pessoa jurídica. Pelo contrário, têm o propósito de proteger o instituto contra atos contrários à lei e à administração lesiva a terceiros. Pelo que a desconsideração pontual, para responsabilizar e alcançar bens dos sócios ou das pessoas jurídicas, é justificada apenas nos casos previstos em lei, em sua maioria decorrentes da prática de ações abusivas, fraudulentas ou simuladas.
Portanto, a desconsideração da personalidade pode ser definida como a desconsideração pontual da personalidade autônoma das pessoas jurídicas1 , tanto para alcançar os bens dos sócios da pessoa jurídica nas hipóteses definidas em lei, como também para, inversamente, permitir o alcance dos bens que formalmente estão em nome da pessoa jurídica, mas que estão ali alocados pelos sócios por atos de blindagem ou ocultação do patrimônio pessoal.
2. Teorias da desconsideração
Duas são as teorias adotadas no direito brasileiro: a Teoria Maior da Desconsideração e a Teoria Menor da Desconsideração.²
A Teoria Maior da Desconsideração é a de maior aplicação pelo ordenamento, mas com caracterização mais restrita das hipóteses que ensejam a desconsideração, porque mais elaborada. Os pressupostos legais de caracterização são mais restritos, mas são os de maior frequência de ocorrência, pelo que tem maior amplitude de aplicação, daí a denominação utilizada. É tida como a mais elaborada.
Com efeito, condiciona o afastamento episódico da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas à caracterização da manipulação abusiva do instituto.
A Teoria Menor da Desconsideração é a de menor aplicação pelo ordenamento, mas de caracterização mais ampla em relação às hipóteses que ensejam a desconsideração, não se limitando à caracterização da utilização abusiva da personalidade da pessoa jurídica. Ou seja, é menor em aplicação, porque incidente sobre relações jurídicas específicas, mas tem maior amplitude de caracterização. É tida como menos elaborada.
Embora, doutrinariamente, tenham sido absorvidas, as denominações utilizadas não primam pela sofisticação e mais confundem do que se autoexplicam.
Para JOSÉ AFFONSO DALLEGRAVE NETTO, são três as teorias da desconsideração: a) a primeira, subjetiva, admite o disregard somente nos casos de comprovação de abuso ou fraude por parte da entidade; b) a segunda, finalística, calcada no art. 28, § 5º, do CDC, presume o prejuízo do credor em ocorrendo dificuldade de execução; e, c) a terceira, objetiva, indistintamente aplicável em prol do devedor ou do credor, se contenta com a separação patrimonial como forma de obstáculo a determinado interesse tutelado pelo direito.³
Tem razão o autor. São denominações mais coerentes. De qualquer sorte, a chamada “Teoria Menor da Desconsideração” autoriza o afastamento da personalidade autônoma da pessoa jurídica, para direcionamento ou alcance dos sócios componentes:
- de forma finalística, nas hipóteses em que se presume a imputação de responsabilidade dos sócios, não obstante, em prejuízo do credor, a previsível dificuldade na execução do crédito junto à sociedade; e,
- de forma objetiva, bastando a simples insatisfação do crédito pela sociedade insolvente (sem ativos), independentemente de fraude ou abuso de forma.
3. Código Civil
Nos termos do art. 49-A, do Código Civil, a pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores.
O objetivo dessa autonomia é desvincular dos sócios, associados e instituidores os seus patrimônios pessoais e a responsabilidade pelos atos praticados e obrigações contraídas pela pessoa jurídica, que tem existência e patrimônio próprios (princípio da autonomia patrimonial).
Nos termos do parágrafo único do art. 49-A, do Código Civil, essa autonomia é instrumento de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício da coletividade.
No entanto, o próprio legislador reconhece que essa desvinculação não é total, porque nos casos que aponta, os titulares respondem, conforme o caso, solidária ou subsidiariamente, limitada ou ilimitadamente, pelos atos praticados pela pessoa jurídica. Basta verificar o que dispõem a respeito os arts. 1.023, 1.039, 1.045, 1.091, 1.095, CC).
Quando a lei permite a responsabilização solidária dos sócios pelos atos da pessoa jurídica na qual figuram, não há motivo para desconsiderar a personalidade, porque cada sócio já responde integralmente pelas obrigações da entidade jurídica (art. 264, do Código Civil).
Nas sociedades em que o sócio não tem responsabilidade ilimitada, a integralização do capital social restringe a sua responsabilidade pessoal, de forma subsidiária, ao investimento feito (art. 1.052, CC).
Essa, portanto, é a regra. Mas ela comporta exceções, porque o ordenamento jurídico não pode admitir a fraude, ou seja, o uso abusivo da personalidade autônoma da pessoa jurídica, para prejudicar terceiros. Nesses casos, é obvio que a desvinculação da personalidade dos sócios fica comprometida, ensejando o alcance da pessoa do sócio que usa a personalidade da entidade da qual faz parte, para fazer negócios pessoais com o objetivo de não responsabilizar-se pessoalmente por tais atos.
Daí dispor o art. 50, do Código Civil, que “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.”
Para o legislador civil, somente o abuso da personalidade autoriza a desconsideração da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, assim mesmo com imputação da responsabilidade exclusivamente ao sócio, associados, instituidor ou administrador que tiver realizado a fraude, ou dela se beneficiado, direta ou indiretamente (art. 50, caput, in fine, do CC).
Ocorre abuso de direito quando o exercício de um direito excede, de forma manifesta, os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos costumes (art. 187, do CC).
O abuso da personalidade da pessoa jurídica, como tipo específico, é por lei caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial (art. 50, caput, CC). Pelo que não basta a insolvência da pessoa jurídica para justificar a desconsideração.
Quanto ao primeiro requisito de caracterização do abuso, o desvio de finalidade, deve-se ter em mente que a atuação da pessoa jurídica está comprometida com o objeto social que retrata a sua razão de existir. Em que pese a capacidade que lhe é atribuída por lei como decorrência da aquisição de personalidade, está legitimada, como entidade autônoma, a praticar os atos que correspondem à sua finalidade.
O desvio de função ou disfunção social abusiva diz respeito ao afastamento dos seus objetivos sociais, ou seja, quando direcionado à utilização dolosa da personalidade da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e/ou para a prática de atos ilícitos (§ 1º do art. 50, CC).
Observe-se, no entanto, que não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica (§ 5º do art. 50, CC). É necessário que se comprove a utilização da pessoa jurídica para mascarar a real atividade com intuito de lesar credores ou para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza, por exemplo, servir de fachada para lavagem de capitais ou evasão de dívidas.
No tocante ao segundo requisito de caracterização do abuso, a confusão, é preciso diferenciar a subjetiva da objetiva. Há confusão subjetiva, quando as qualidades de credor e devedor se concentram numa só pessoa. É meio de extinção de obrigação, previsto no art. 381, do Código Civil. Mas a lei fala em confusão patrimonial objetiva, que não se confunde com a confusão subjetiva extintiva de obrigações.
A confusão objetiva na forma ilícita, é caracterizada pela dificuldade de se distinguir se o patrimônio pertence ao sócio ou à sociedade, como forma de criar obstáculos à responsabilização patrimonial da pessoa física ou jurídica.
Nos termos do § 2º do art. 50, “Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.”
Em virtude da realidade da desconsideração inversa, o desvio de finalidade e a confusão patrimonial também se aplicam à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica (§ 3º do art. 50, CC).
A mera existência de grupo empresarial, econômico ou sociedade, de fato ou de direito, sem a presença da comprovação de desvio de finalidade e/ou confusão patrimonial, não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica (§ 4º do art. 50, CC).
O Código Civil de 2002 admite ainda o alcance solidário do patrimônio pessoal dos integrante da pessoa jurídica, desconsiderando assim a personalidade autônoma da entidade: a) enquanto não inscritos os atos constitutivos da sociedade (sociedade em comum – art. 988 c/c 990); b) quando se tornam irregulares, com existência apenas no plano fático.
No primeiro caso, a hipótese não enseja tornar nula a pessoa jurídica e sim de não levar a sua existência em consideração para certos e determinadas obrigações, alcançando-se assim, diretamente, as pessoas dos sócios. E no segundo, é evidente que o encerramento das atividades, sem baixa, ou mesmo a transferência das cotas para “testas-de-ferro” tem por fim subtrair responsabilidades, merecendo do ordenamento a reação contra a fraude, através da perseguição direta dos envolvidos na artimanha.
Como decorrência lógica dos art. 50 e 988, nas sociedades irregulares –que não obtém autorização para funcionamento, as que cessam o funcionamento, sem baixa- os sócios também poderão ficar sujeitos à responsabilização solidária.
Todavia, nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização para seu funcionamento, ela subsistirá para os fins de liquidação, até que esta se conclua (art. 51, CC).
4. Teoria adotada pelo Código Civil
Em face da exigência de pressupostos de caracterização mais restrita para efeito de afastamento episódico da personalidade autônoma, embora aplicável à maioria dos casos, o Código Civil adotou a Teoria Maior da Desconsideração, mais elaborada.
Somente o abuso da personalidade, por desvio de função e/ou confusão patrimonial, buscando o inadimplemento da obrigação social perante credores, autoriza a desconsideração (art. 50).
Já é possível antever que a Teoria Maior da desconsideração é aplicável às relações civis em geral e que a Teoria Menor da desconsideração incide em relações jurídicas específicas ou especiais.
5. Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90)
O § 5º do art. 28 da Lei nº 8.078/90, prevê, para as relações de consumo, a desconsideração:
- em casos de abuso de direito;
- excesso de poder;
- infração da lei;
- fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social; e,
- quando provocada por má administração, falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica.
Logo, tem-se que o CDC adotou a Teoria Menor Finalística da Desconsideração, menos elaborada e com menor âmbito de aplicação.
Realmente, a sua aplicação é mais restrita, porque é específica para as relações de consumo. Mas tem maior amplitude de caracterização, por presumir a lei, pela hipossuficiência do consumidor em termos de prova e de imputação de responsabilidade, a dificuldade na execução em prejuízo do credor, se o sócio não puder ser diretamente alcançado pela via da desconsideração.
A Lei nº 12.529/2011 (do CADE) reproduz o art. 28, § 5º, do CDC.
6. Lei do Meio Ambiente
O art. 4º da Lei nº 9.605/98 estatui que a desconsideração pode ser efetuada quando se verificar a personalidade jurídica como obstáculo à concretização de suas normas.
Vê-se, portanto, que adotou a Teoria Menor Objetiva.
Como é específica para as relações ambientais, a sua aplicação é mais restrita. Mas com maior amplitude para efeito de caracterização das hipóteses de desconsideração, por contentar-se com o fato objetivo da simples insatisfação do crédito pela pessoa jurídica, quando o sócio goza de solvabilidade.
7. O Projeto de Código Comercial
O art. 129 do Projeto de Código Comercial prevê que a simples insuficiência de bens não autoriza a desconsideração.
No mesmo sentido, a PL 3401/2008, da Câmara dos Deputados, que ainda impõe procedimentos prévios à decretação da desconsideração, entre eles que não pode ser concedida de ofício, devendo ser precedida de decisão fundamentada e deve admitir contraditório e ampla defesa.
8. A teoria da desconsideração nas relações de trabalho
De início, é preciso diferenciar despersonalização do empregador de desconsideração da personalidade jurídica.
A despersonalização da empresa, enquanto entidade empregadora, está prevista no art. 2º, da CLT. Uma de suas aplicações diz respeito ao princípio da continuidade da relação de emprego em virtude de sucessão (arts. 10 e 448, da CLT).
Na desconsideração da personalidade, a finalidade é outra, a de episódica e subsidiariamente responsabilizar, nas hipóteses previstas em lei, os sócios da pessoa jurídica pelos atos e dívidas da pessoa jurídica. Ou, inversamente, subsidiariamente alcançar os bens que estão formalmente em nome da pessoa jurídica, ali alocados em virtude de atos de blindagem patrimonial praticados pelos sócios.
Na vigência do Código Civil de 16, a Teoria da Desconsideração vinha sendo aplicada, na área trabalhista, dentro dos “espaços” que a lei admitia: em se cuidando de certas pessoas jurídicas que somente existiam de fato ou se tornavam irregulares e nenhum bem era encontrado em seu nome ou, em existindo, era insuficiente, costumava-se responsabilizar pessoalmente os sócios. E também dar-se nenhuma importância às alterações contratuais de última hora, por meio das quais ficava evidenciada a nomeação de “testas-de-ferro” como novos sócios e com assunção do ativo e passivo sociais, no objetivo de frustrar a execução trabalhista.
Com o advento do Código do Consumidor, onde está expresso, no art. 28, que “O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social, ou quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração”, passou-se a ampliar, nos termos desse dispositivo, no âmbito da Justiça do Trabalho, o rol de hipóteses de desconsideração.
O fato, no entanto, é que essa ampliação foi mais longe. As decisões passaram a considerar que diante da natureza alimentar do crédito trabalhista, da hipossuficiência do trabalhador e da premência no recebimento do crédito, não importa se ocorreu ou não abuso de personalidade, confusão patrimonial ou se há presunção de dificuldade na execução. Basta o mero fato do inadimplemento, a inexistência de bens sociais penhoráveis e a solvabilidade do sócio, para autorizar a desconsideração.
Daí se conclui que, por fundamento diverso, a Justiça do Trabalho terminou optando, na verdade, pela aplicação da Teoria Menor Objetiva, inserta no art. 4º da Lei do Meio Ambiente.
Ocorre que sobreveio agora a Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019. Em seu art. 1º, § 1º, estabelece que “O disposto nesta Lei será observado na aplicação e na interpretação do direito civil, empresarial, econômico, urbanístico e do trabalho nas relações jurídicas que se encontrem no seu âmbito de aplicação e na ordenação pública, inclusive sobre exercício das profissões, comércio, juntas comerciais, registros públicos, trânsito, transporte e proteção ao meio ambiente.” E faz parte do disposto na referida lei a observância do art. 50 e §§ do Código Civil, na nova redação que lhe foi dada pela Lei nº 13.874/2019.
Outrossim, o art. 8º, § 1º, da CLT, com a nova redação da Lei nº 13.467/2017, dispõe que “O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho.”
Assim, tudo parece indicar que nas relações de trabalho aplicável à desconsideração da personalidade jurídica passa a ser a Teoria Maior inscrita no art. 50, do Código Civil.
9. A natureza da responsabilidade dos sócios quanto aos créditos trabalhistas na desconsideração
Os bens dos sócios da entidade cuja personalidade foi desconsiderada, respondem pelos créditos trabalhistas nos casos previstos em lei.
O art. 1024, do CC, determina a execução principal nos bens da sociedade e a sucessiva nos bens dos sócios. No mesmo sentido, o art. 795, caput e § 1º, do CPC.
Assim, a responsabilidade dos sócios nos casos de desconsideração da personalidade, subsidiária, podendo alegar, com respaldo na lei, o benefício de ordem (§ 1º do art. 795, do CPC).
Esclarece o parágrafo único do art. 10, da CLT, que “O sócio retirante responderá solidariamente com os demais quando ficar comprovada fraude na alteração societária decorrente da modificação do contrato.”
Outrossim, nos termos do parágrafo único do art. 448-A, “A empresa sucedida responderá solidariamente com a sucessora quando ficar comprovada fraude na transferência.”
Nos primeiro caso, a própria lei já estabelece a responsabilidade direta e solidária, sendo a desconsideração desnecessária, mas no segundo, a solidariedade é estabelecida entre empresas, pelo que a fraude autoriza a desconsideração das personalidades de ambas para o alcance dos respectivos sócios.
10. Sociedades anônimas, empresas sem fins lucrativos e sócio retirante
Em se cuidando de sociedades anônimas abertas, em que o capital social é fracionado em partículas de igual valor (ações) e comercializado em bolsa de valores, a não ser nas hipóteses de sociedade de fato ou irregulares, bem como de má-gestão e dolo por parte dos diretores, a Lei 6.404/76 proíbe a responsabilização pessoal imediata dos dirigentes detentores da maioria do capital social, sendo que a insuficiência de bens destinados a garantir o cumprimento das obrigações sociais dá ensejo à execução universal.
Como os sócios gestores e os administradores dessas empresas são responsáveis, subsidiária e ilimitadamente pelos atos ilícitos praticados, tanto os de má gestão, como os contrários ao previsto no contrato social ou estatuto, em não sendo localizados bens passíveis de despertar interesse em hasta pública e demonstrada a má gestão do Administrador, pelo descaso na satisfação dos créditos trabalhistas, tem-se que o sócio diretor pode ser responsabilizado pelas dívidas trabalhistas da sociedade.
Nas sociedades anônimas fechadas, o tratamento dado pela Justiça do Trabalho tem sido o mesmo das sociedades limitadas: a desconsideração, se verificada insuficiência patrimonial social, com sócios solventes.
Quanto ao sócio meramente investidor, a presunção, relativa, é a de que não responde pelos atos da sociedade. Mas se ficar comprovada a gestão factual ou a sua culpa na insolvência da empresa, responderá.
Tem sido excluído de responsabilidade o sócio minoritário, com capital insignificante e que não participou em nenhum momento da gestão da empresa. De igual sorte, o sócio minoritário empregado. Nas empresas sem fins lucrativos, o sócio tem sido responsabilizado em casos de má-gestão.
Finalmente, os art. 1003, parágrafo único, 1032 e 1146, do CCB/2002.
O art. 1003, parágrafo único do CCB, dispõe que “Na cessão total ou parcial de cotas, a responsabilidade do sócio retirante permanece até 2 anos depois de averbada a modificação do contrato social, respondendo o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações societárias.”
O art. 1032, do CC, dispõe que a retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até 2 anos após averbada a resolução da sociedade.
Quanto ao art. 1146, do CC, estatui que “O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento.”
Os artigos 1003 e 1146 estabelecem, respectivamente, prazos de dois a um a dois ano para efeito de considerar a responsabilidade do sócio pelos débitos anteriores à cessão parcial ou total de cotas da sociedade para outrem ou transferência do próprio negócio.
Contudo, não estabelecem prazo em relação: a) ao sócio que ingressa no lugar do retirante ou aos que permanecem; e, b) ao adquirente do negócio transferido.
No caso do art. 1003 (cessão de cotas, com manutenção da sociedade), o sócio cedente responde solidariamente com o cessionário perante a sociedade e terceiros pelos atos praticados ao tempo em que era sócio, sendo que o retirante durante dois anos da averbação.
O art. 1032 cuida dos efeitos resolução da sociedade, estabelecendo que tanto ela ocorrendo pela retirada do sócio, sua exclusão do sócio ou morte, ele ou os seus herdeiros respondem pelas obrigações sociais reclamadas no prazo de dois anos da averbação.
O art. 1146 cuida dos efeitos da transferência do estabelecimento, estatuindo que no relacionamento entre adquirente e cedente, este responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados e o devedor primitivo permanece solidariamente obrigado por tais débitos, desde que reclamados no prazo de um ano.
A CLT tem norma própria, no sentido de que a transferência do estabelecimento não afeta os direitos já adquiridos pelos trabalhadores anteriormente ao negócio (art. 10) e o artigo 10-A estabelece o prazo e o benefício de ordem, com a ressalva contida no parágrafo único:
“Art. 10-A. O sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, observada a seguinte ordem de preferência:
I – a empresa devedora;
II – os sócios atuais; e
III – os sócios retirantes.
Parágrafo único. O sócio retirante responderá solidariamente com os demais quando ficar comprovada fraude na alteração societária decorrente da modificação do contrato.”
11. Do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC e sua compatibilidade com o processo trabalhista
Nos termos do artigo 15, do novo CPC, “Na ausência de normas que regulamentem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.”
Inicialmente, cabe esclarecer que o legislador não utilizou as palavras subsidiária e supletiva como sinônimas, até porque não o são.
Aplicação supletiva supõe suplemento ou complemento de norma existente, ou seja, aplica-se a lei processual comum quando útil, necessária ou conveniente para complementar a lei trabalhista. Já a aplicação subsidiária supõe ajuda, auxílio, para efeito de integração, em virtude de total omissão, desde que compatível com os princípios e sistematicamente com as regras do processo do trabalho.
Pretendesse o legislador a substituição da norma do processo comum pela trabalhista, teria sido taxativo, utilizando termos como “substitui” ou “se sobrepõe”, o que não ocorreu.
A única diferença entre o texto da CLT, contido no art. 769 e o texto do CPC é que agora ficou claro que é possível não apenas a aplicação subsidiária da norma do processo comum para os casos de total omissão ou lacuna, mas também nos casos em que não há omissão, mas é útil, necessária ou conveniente, para efeito de aprimoramento ou aplicação da norma processual trabalhista, a complementação com a norma processual comum.
Assim, existindo omissão na legislação processual trabalhista sobre a Ação de Consignação em Pagamento, é possível suprir a lacuna, por aplicação subsidiária, porque ela é compatível com o processo do trabalho.
Contrariamente, o art. 523 § 1º, do CPC de 2015 é inaplicável de forma supletiva, não porque inexiste omissão a respeito no processo do trabalho (o que poderia levar à aplicação supletiva), mas pelo fato de que com ele é incompatível, eis que a solução dada ao tema por norma do processo do trabalho é outra, específica e diferente da constante no processo comum, que lhe confere outra diretriz.
De igual sorte, os art. 459 e 219, do CPC: respectivamente, a possibilidade de formulação direta de perguntas pelas partes colide com norma específica da CLT, art. 820, em sentido oposto, e o critério previsto no art. 775, da CLT e justificado pela celeridade e simplicidade do processo trabalhista, colide com a contagem de prazos processuais apenas em dias úteis.
O novel art. 855-A, introduzido na CLT pela Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017 dispõe que “Aplica-se ao processo do trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto nos art. 133 a 137 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil.”
O art. 6° da Instrução Normativa nº 39, do TST, de 15 de março de 2016 já esclarecia que “Aplica-se ao Processo do Trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica regulado no Código de Processo Civil (art. 133 a 137), assegurada a iniciativa também do juiz do trabalho na fase de execução (CLT, art. 878).”
O incidente de desconsideração tem por fim criar condições para a apuração das razões pelas quais a parte pretende ver desconsiderada a personalidade, para a responsabilização:
- do sócio, pelos atos praticados pela pessoa jurídica; e,
- da pessoa jurídica, pelos atos praticados pelo sócio.
Logo, trata-se de intervenção provocada de terceiros no processo em que litigam as partes originárias. E nessa condição está capitulada no novo CPC.
Já preocupavam o jurisdicionado e a jurisprudência a falta de normas estabelecendo um procedimento para a desconsideração, compreendendo a legitimidade da iniciativa, momento da argüição, forma de estabelecimento do contraditório, realização de provas, necessidade de decisão fundamentada e recurso. O problema foi resolvido pelo atual CPC, que agora prevê procedimento específico para possibilitar, com suspensão do processo, para permitir regular instrução, a apreciação do pedido de desconsideração.
Legitimados são a parte, inclusive o Ministério Público nessa condição e o próprio Ministério Público como fiscal da lei, pelo que não pode ser determinada de ofício pelo juiz.
Todavia, no processo do trabalho o incidente é cabível de ofício na fase de execução, com base no art. 878, da CLT. Neste sentido o art. 6º da Instrução Normativa nº 39, do TST, de 15 de março de 2016.
O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial. Mas o requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos previstos em norma de direito material para o exame da pretendida desconsideração da personalidade.
Se a desconsideração for pedida na inicial, o incidente é dispensado. Basta citar o sócio ou a pessoa jurídica, porque quando responderem à citação, poderão apresentar contestação e provas sobre o tema.
Em momento ulterior, o juiz deverá citar o sócio ou a pessoa jurídica para pronunciar-se a respeito, em 15 dias, requerendo as provas que entender cabíveis.
O processo fica suspenso para a instrução (se necessária) e julgamento do incidente, por meio de decisão fundamentada.
Conforme § 2º do art. 6º da IN do TST nº 39, de 15 de março de 2016, “A instauração do incidente suspenderá o processo, sem prejuízo de concessão da tutela de urgência de natureza cautelar de que trata o art. 301 do CPC.”
A referida norma foi praticamente reproduzida no § 2o do novel art. 855-A, da CLT: “A instauração do incidente suspenderá o processo, sem prejuízo de concessão da tutela de urgência de natureza cautelar de que trata o art. 301 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).”
O prazo de 15 (quinze) dias para manifestação do sócio ou da pessoa jurídica e a suspensão do processo para resolução do incidente justificam-se diante dos princípios do contraditório e da segurança das relações jurídicas, que devem harmonizar-se com os princípios da simplicidade e da celeridade que informam o processo do trabalho. Os dois últimos não podem tornar os demais ineficazes.
A decisão do incidente é interlocutória, cabendo, no processo comum, recurso de agravo de instrumento (art. 1015, IV, CPC).
Ocorre que no processo do trabalho, o agravo de instrumento trabalhista tem normatividade específica, para aplicação em caso de trancamento injustificado de recurso, pelo que não há omissão e assim não cabe aplicação subsidiária da norma do processo comum, que o prevê para rediscutir decisão interlocutória. Também não cabe aplicação supletiva, porque a sua admissão para o reexame de decisões interlocutórias ofenderia a dinâmica do processo trabalhista, consubstanciada no princípio da irrecorribilidade dessas decisões antes da decisão definitiva, insculpido no § 1º do art. 893, da CLT.
Logo, a recorribilidade quanto ao incidente se dará quando da sentença de conhecimento, por meio de recurso ordinário ou, na execução, por meio de agravo de petição.
Se o incidente ocorrer na fase de execução, como haverá suspensão do processo para a respectiva resolução, a defesa prescinde de prévia penhora ou depósito e, consequentemente, de Embargos à Execução. E, nos termos da Instrução Normativa nº 39/2016, do TST, no recurso de Agravo de Petição inexiste necessidade de depósito recursal para o reexame da decisão.
Pelo novel Código de Processo Civil, se proferida pelo relator, no tribunal, da decisão caberá agravo interno (art. 932, VI c/c 136).
A norma é compatível com o processo do trabalho. Salvo melhor juízo, no Regional o Relator assim poderá proceder diante de fato novo, superveniente à sentença de 1º grau ou em reexame da decisão que indeferiu a formação do incidente. Em instância extraordinária, de exame de violação da lei e/ou de divergência jurisprudencial, o Relator assim poderá proceder somente em reexame da decisão de 2º grau, cabendo agravo da decisão para julgamento pela Turma ou pela SDI.
De qualquer sorte, nos termos do novel art. 855-A, introduzido na CLT pela Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017: “
§ 1º Da decisão interlocutória que acolher ou rejeitar o incidente:
I – na fase de cognição, não cabe recurso de imediato, na forma do § 1o do art. 893 desta Consolidação;
II – na fase de execução, cabe agravo de petição, independentemente de garantia do juízo;
III – cabe agravo interno se proferida pelo relator em incidente instaurado originariamente no tribunal.”
Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude à execução, será ineficaz em relação ao exequente (art. 137, CPC).
Em termos de responsabilidade patrimonial, estão sujeitos à execução os bens do responsável, nos casos de desconsideração da personalidade jurídica (art. 790, VII, CPC), ou seja, subsidiariamente os dos sócios da pessoa jurídica cuja personalidade foi desconsiderada ou os da pessoa jurídica, cuja personalidade dos sócios foi inversamente desconsiderada, se verificada, num e noutro caso, a insuficiência patrimonial do sócio ou da sociedade.
12. Conclusões
Despersonalização do ente empregador e desconsideração de sua personalidade jurídica não se confundem.
A despersonalização da empresa, enquanto entidade empregadora, está prevista no art. 2º, da CLT, em razão do princípio da continuidade da relação de emprego em virtude de sucessão (art. 10 e 448, da CLT).
Na desconsideração da personalidade, a finalidade é episódica e subsidiariamente, responsabilizar os seus sócios pelos atos pelas dívidas da pessoa jurídica ou, inversamente, subsidiariamente alcançar os bens que estão formalmente em nome da pessoa jurídica, ali alocados em virtude de atos de blindagem patrimonial praticados pelos sócios.
Na Justiça Comum prevalece a Teoria Maior da Desconsideração, que aplica a Menor somente nas relações de consumo, ambientais e outras de natureza especial, que a exijam.
Na Justiça do Trabalho, até a edição Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019 Lei da Liberdade Econômica), prevalecia a aplicação da Teoria Menor Objetiva na desconsideração, contentando- -se a jurisprudência com o mero fato do inadimplemento, da inexistência de bens sociais penhoráveis e da solvabilidade do sócio, para autorizar a desconsideração, não importando se ocorreu ou não abuso de personalidade.
A Lei nº 13.874/2019, em seu art. 1º, § 1º, estabelece que “O disposto nesta Lei será observado na aplicação e na interpretação do direito civil, empresarial, econômico, urbanístico e do trabalho nas relações jurídicas que se encontrem no seu âmbito de aplicação e na ordenação pública, inclusive sobre exercício das profissões, comércio, juntas comerciais, registros públicos, trânsito, transporte e proteção ao meio ambiente.” E faz parte do disposto na referida lei a observância do art. 50 e §§ do Código Civil, na nova redação que lhe foi dada pela Lei nº 13.874/2019, o que parece levar à conclusão de que impõe para as relações de trabalho a Teoria Maior da desconsideração. Para o regular manejo do incidente de desconsideração é necessária a compreensão das hipóteses ensejadoras, previstas no direito material.
Por força do art. 855-A, da CLT, o Incidente de Desconsideração previsto no CPC como intervenção provocada de terceiros e que, exceto na fase de execução, não pode ser determinado de ofício, é aplicável em qualquer fase do processo do trabalho, ao qual as normas processuais comuns devem ser compatibilizadas..
Para a desconsideração, exige-se decisão fundamentada, após contraditório e regular instrução, se necessária, com suspensão do processo para o desiderato.
Na Justiça Comum, da decisão cabe agravo de instrumento, mas na Justiça do Trabalho, dependendo da fase, de conhecimento ou de execução, a decisão será reapreciada em Recurso Ordinário ou Agravo de Petição (neste último caso independentemente de garantia do juízo), em razão do princípio da irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias, cabendo agravo interno para exame pela Turma, se proferida a decisão pelo Relator, no Tribunal.
1. Ou, como diz Fredie Didier Junior, “trata-se de uma técnica de suspensão episódica da eficácia do ato constitutivo da pessoa jurídica, de modo a buscar, no patrimônio dos sócios, bens que respondam pela dívida contraída.” Curso de Direito Processual Civil, vol 1, JusPodium, Salvador, 2016, pp. 545-525.
2. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, volume 2, 10. ed. Saraiva, São Paulo, 2007, p. 36-47.
3. A execução dos bens dos sócios em face da Disregard Doctrine, in Execução Trabalhista, Estudos em Homenagens ao Ministro João Oreste Dalazen, Coordenação de José Affonso Dallegrave Neto e Ney José de Freitas. LTr, SP, 2002.
Bibliografia consultada
BUENO, Casso Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado, 2ª edição, Saraiva, São Paulo, 2016.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, volume 2, 10. ed. Saraiva, São Paulo, 2007.
DALLEGRAVE NETO, José Affonso; FREITAS, Ney José de. Coordenadores. A execução dos bens dos sócios em face da Disregard Doctrine, in Execução Trabalhista, Estudos em Homenagens ao Ministro João Oreste Dalazen, LTr, SãoPaulo, 2002.
DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, 1, 18ª edição, JusPodium, Salvador, 2016.